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Folha de S.Paulo

'Quero ser aceito por todos no Brasil', diz Alisson, goleiro titular da seleção


Aos 25 anos, não falta ao gaúcho Alisson Becker confiança para ser o camisa 1 da seleção brasileira na Copa do Mundo da Rússia, em 2018.

"Trabalhei muito para chegar aonde eu cheguei, ser titular da seleção, e não vou abrir mão disso", afirma à Folha, como num recado a quem ache que ele pode perder o posto para Cássio (Corinthians) ou Ederson (Manchester City), seus reservas na mais recente convocação.

A segurança tem justificativa. Desde sua estreia na equipe nacional, em outubro de 2015 (vitória de 3 a 1 sobre a Venezuela pelas eliminatórias da Copa), quando o treinador era Dunga, Alisson em nenhum momento correu o risco de perder a posição.

Sua única falha memorável ocorreu na Copa América Centenário, em junho de 2016, nos EUA. Na partida contra o Equador, na primeira fase, não conseguiu defender um chute sem ângulo de Bolaños.

A bola resvalou na trave, bateu no braço e no peito do goleiro e entrou. Um frango. Mas o árbitro marcou saída de bola pela linha de fundo –o que não aconteceu– antes de o equatoriano chutar e não validou o gol. Sorte de Alisson.

O Brasil foi eliminado no torneio, Dunga caiu. No seu lugar, Tite mudou o futebol da seleção, que terminou as eliminatórias com campanha recorde. Uma coisa, porém, não se alterou. Alisson permaneceu prestigiado.

Nem o fato de ter ficado uma temporada inteira (2016-2017) na reserva do polonês Szczesny na Roma ameaçou sua condição de titular do Brasil.

"Eu não estava com ritmo de jogo aqui na Roma. Começou uma contestação", disse.

"Começaram a pedir outros goleiros. Foi pela questão do ritmo, nunca pela falta de uma qualidade minha", afirmou o Alisson, que pode se tornar o mais jovem goleiro brasileiro a conquistar a Copa do Mundo.

Folha - Pela Roma, na temporada passada, você atuou em 15 jogos por competições oficiais e levou 17 gols. Nesta, agora como titular, são 24 partidas e apenas 18 gols sofridos, menos de um por jogo. Como explicar essa evolução?

Alisson - A nossa equipe mudou um pouco a característica. No ano passado era um time mais ofensivo e não tão organizado defensivamente. Eram muitas finalizações, muitas chances, deixávamos o adversário criar. Agora nossa equipe está mais consistente defensivamente. Lógico que a questão de eu jogar mais, de ter mais ritmo de jogo, me ajuda.

Nas eliminatórias para a Copa de 2108, com o Dunga, você jogou cinco partidas e tomou seis gols. Com Tite, foram 11 jogos e só três gols. O que mudou na seleção brasileira?

A equipe encontrou uma maneira de jogar, a seleção tem uma cara. A gente tem uma característica de jogo que é a do futebol brasileiro. Um futebol técnico, de drible, de toque de bola, de muita qualidade. O Tite conseguiu também encontrar um equilíbrio tático, tornar a equipe sólida defensivamente. Sofremos pouquíssimos gols na era Tite.

O que faltava era encontrar um modo de ter uma defesa sólida, de ter uma equipe que pudesse atacar sem medo, sabendo que ali atrás as coisas iriam estar organizadas. A gente conseguiu conquistar isso, espero que a gente possa continuar nessa caminhada até a Copa do Mundo. Nosso pensamento é muito forte em relação ao título.

No Brasil você não é unanimidade, talvez por ser mais jovem que alguns outros goleiros, como Cássio (Corinthians), Diego Alves (Flamengo) e Vanderlei (Santos), e ter apenas títulos regionais (quatro vezes campeão gaúcho, duas como reserva). Como você lida com essa situação?

Não vejo assim. Me vejo muito mais com críticas positivas do que com críticas negativas. A única questão que mexeu um pouco com o meu momento, que foi uma crítica mais forte, foi quando eu não estava com ritmo de jogo aqui na Roma, sempre foi batido nessa tecla. Foi quando começou uma contestação por alguns setores da imprensa. Começaram a pedir outros goleiros. Foi pela questão do ritmo, nunca pela falta de uma qualidade minha, por uma falha, por um mau momento, e sim por falta de ritmo de jogo.

Nos últimos meses, não tenho visto ser tão forte essa questão das críticas. Mas não me afetou na seleção. Quando fui chamado, eu estava pronto. Lógico que quero alcançar a unanimidade, há o objetivo de ser aceito por todos. Mas, no futebol, hoje o melhor do mundo, que é o Cristiano Ronaldo [do Real Madrid], não é unanimidade para todos. Uns preferem o Messi, outros preferem o Neymar. Sei da minha qualidade, trabalhei muito para chegar aonde eu cheguei, ser titular da seleção, e não vou abrir mão disso.

Na Copa América de 2016, nos EUA, você levou um gol do Equador que não foi validado pela arbitragem. Era uma bola que parecia fácil de ser defendida. Há alguma estratégia para minimizar o risco de engolir um frango?

Naquele lance, especificamente, não considero uma falha técnica, pois, quando o Bolaños chutou, a bola antes de chegar em mim desvia na trave e acaba me atrapalhando. Desvia na trave, bate no meu braço e entra. Foi uma infelicidade, e o goleiro tem que saber conviver com isso. Eu tinha um treinador de goleiros [Marquinhos Lopes, que trabalhou no Internacional] que me dizia que a diferença de um grande goleiro para o pequeno é que os dois falham, mas o grande assimila melhor a falha. Não se abate com isso. Esse é o segredo.

Existe também o "momento certo" de falhar, o momento em que a equipe vence. Tem que contar também um pouquinho com a sorte para não ficar tão marcado. As pessoas marcam muito quando é uma derrota, quando se perde alguma coisa muito grande. Eu confio muito no trabalho. Vou trabalhar muito para que essas falhas fiquem bem longe do gol da seleção e do gol da Roma.

Partidas de Copa do Mundo podem ser decididas nos pênaltis. Como você se avalia como pegador de pênaltis?

Procuro estudar o batedor e tento imaginar qual vai ser a situação do jogo. Há vários fatores: quanto estava o resultado quando ele bateu, por exemplo. Isso influencia muito, o momento do jogo, quanto está o jogo. Avalio em vídeo os detalhes. Pênalti tem muito do instinto, da confiança. Tenho um grande professor que é o Taffarel [preparador de goleiros da seleção], que defendeu pênaltis em momentos fundamentais, como na Copa de 1994. Estou em boas mãos.

Quais as perspectivas da Roma para a sequência da Liga dos Campeões da Europa, que a Roma nunca ganhou, e do Campeonato Italiano, que a equipe não vence desde 2001?

Na Champions League, ninguém esperava que a gente se classificasse no grupo com Chelsea e Atlético [de Madri], dois gigantes do futebol europeu. Ninguém acreditava. A gente sabia que ia ser difícil, mas acreditava no nosso potencial. Estamos focados em encarar cada partida como se fosse a última, como se fosse uma final. Vamos tentar fazer o impossível para vencer.

O Campeonato Italiano está aberto. Existem cinco equipes que estão disputando o título [Inter de Milão, Napoli, Juventus, Roma e Lazio]. Temos grande chance de trazer esse título que faz tanto tempo que a Roma não conquista. Quero muito vencer e trazer alegria para os torcedores da Roma.

Como você avalia sua capacidade de jogar com os pés?

Eu sempre tive essa característica, esse estilo de sair jogando. Eu tive um treinador nas categorias de base, o André Jardim, nos juniores, ele implementou isso na época. Foi na época que o Barcelona começou isso com o Guardiola, o estilo de jogo de jogar com o goleiro, trabalhar com os pés.

Eu sempre gostei de participar do jogo, o goleiro fica mais atento, mantém a concentração alta. Pois tem jogos que ele trabalha pouco em relação a defesas, mas tem que estar pronto para intervir em um lançamento, um recuo de bola. A partir desse treinador eu comecei a jogar dessa maneira, fazer esse tipo de treinamento, e cheguei ao profissional com essa característica.

Na seleção, o Miranda, o Marquinhos, o Dani Alves, o Marcelo, o Casemiro são jogadores de muita qualidade e de qualidade na saída de jogo. E o estilo de jogo da seleção exige isso, que eu jogue com os pés, não dê tanto chutão. A gente não tem uma equipe de tanto porte físico na frente e sim de toque de bola e velocidade com a bola no chão. Então agrega valor à nossa equipe sair jogando sempre.

Nascimento: 2.out.1992 (25 anos), em Novo Hamburgo (RS)

Clubes: Internacional (até 2016) e Roma (atual)

Principais conquistas: Gaúcho (2013 a 2016)

Na seleção brasileira: 11 gols sofridos (0,5 por jogo)